"Tenho um bebé de 5 meses que trago nas correrias por ser muito pequeno e não tenho com quem lhe deixar."

Pintura de Inês Melina

Pintura de Inês Melina

POR KIMPA VITA GOUVEIA

Os fiscais e a polícia continuam a fazer das suas no mercado dos congolenses onde encontramos aproximadamente 2000 mulheres. Sendo que umas se encontram dentro da praça, ou seja, no mercado, e outras encontram-se a deambular pelas ruas dos congolenses e do bairro popular.

De um lado, as que se encontram dentro da praça com bancadas e bancos têm obrigações de pagar à fiscalização um preço que transcende o valor real àquele que conseguem fazer durante o dia ou mesmo o mês. Para terem acesso ao espaço devem pagar o valor de 50 mil KZ, conta-nos uma zungueira que não tem uma bancada dentro do mercado por não ter tal valor para comprar o espaço:

 «O meu negócio é de 2.000 KZ, como é que eles vão me obrigar a pagar um preço que está acima do valor que faço?! Não tenho como. A fiscalização não é honesta, porque se eu fico doente estando três dias em casa ou mais, mesmo tendo comprado o lugar eles vendem a outra pessoa. Não podemos reclamar nem nada.»

De outro lado, encontramos as zungueiras que deambulam por todos os cantos, umas ficando perto da estrada e outras em becos dos congolenses sob o olhar atento dos ficais e da polícia.

Rosa André faz parte do grupo de mulheres zungueiras que vendem nos becos dos congolenses e que todos os santos dias são revirados pelos fiscais. Assim como ela existem outras mulheres que não desistem, porque desistindo os filhos ficariam sem estudar e não teriam nada em casa para comer.

Uma vez que o esposo de Rosa se encontra desempregado, em casa, ela é a única que faz algo para o sustento da família. Conta-nos, pela sua própria voz, um pouco da sua história:

«Tenho um bebé de 5 meses que trago nas correrias por ser muito pequeno e não tenho com quem lhe deixar. Tempos atrás zungava perfume em Viana. Ficava na ponte amarela, mas as corridas lá aumentam a cada dia. Decidi vir tentar aqui nos congolenses e já há dois meses que estou a vender aqui. Já nem vendo perfume porque o negócio foi abaixo (perdi o dinheiro, lucros e capital inicial), e para não ficar em casa decidi começar a vender modex (penso higiénico usado pelas mulheres durante a menstruação). Ponho na embalagem 3 e vendo a 100 KZ. Também vendo papel higiénico a cada 50 KZ. Diariamente faço 2 mil KZ, nesse dinheiro tiro o almoço e jantar. Às vezes, nem consigo dinheiro para pagar as propinas do miúdo na escola; o André, meu filho, devido a essas dificuldades lhe mandei no Huambo nos meus familiares. A vida assim vai indo. Mas há 5 dias que não vinha vender porque ao fugir os fiscais que levaram o meu negócio, na passada segunda-feira, o meu bebé estava nas costas quando eles chegaram para levarem as coisas e eu a correr o pano desamarrou, o bebé por pouco cai no chão e eu mesma caí. As outras zungueiras a fugirem, começaram a me pisar porque eu estava estendida no chão como se fosse uma barata. Eles nem sequer paravam, todas foram me pisando. Normalmente, quando eles (fiscais) aparecem nós entramos num quintal, a porta como é estreita todas se aglomeram querendo entrar. Eu não lhes culpo, todas nós estamos na luta pela sobrevivência. Depois daquele sofrimento eles foram-se embora. Graças a deus estava de passagem uma senhora que me ajudou a levantar, nem vi mais aonde foi parar o meu bebé. Ela começou a me passar bálsamo nas pernas e na coluna, mas até ao momento sinto fortes dores. Outra colega que também caiu bateu na pedra, parece que fracturou a perna e desde aquele dia que não vem vender. Graças a deus depois de me recuperar pude ver que o meu bebé estava bem, que não tinha caído, como pensei no momento em que eu caí. Do negócio já nem falo, eles não têm pena, mesmo vendo o meu sofrimento pegaram nos modex’s e papel, levaram. Tive que lutar para comprar outro negócio que comecei a vender essa semana. O mesmo fiscal, chamado Alex, está sempre a fazer das suas. Esses não têm pena (dor, empatia).»

Deste modo vamos indo, Angola sempre a subir, enquanto uns espalham-se em aviões de luxo e outros exibem os seus lexus, essas mulheres lutam pela sobrevivência. Muitas vezes, têm de tirar do pouco que ganham para ir a Tungago reaver os seus negócios quando estes são apreendidos. Ainda, outras vezes, aquelas que acompanham o destino dos seus negócios assistem estes a serem repartidos pelos fiscais para depois serem vendidos nos bairros onde eles moram, ou simplesmente serem levados para as suas famílias.

Tunga é o lugar onde levam-se os negócios confiscados das mãos e do suor das zungueiras. Sobre o destino dos negócios Rosa conta-nos ainda: «Quando chegamos no Tunga eles nos pedem 50 mil KZ, e às vezes o teu negócio é de 1000 KZ, nem sequer conseguiste vender. Não faz sentido fazerem isso, mas aqui não tem para onde podemos nos queixar! Solução é somente comprar outro negócio, enquanto vão engordando encima do nosso suor e do nosso sofrimento.»

Chegamos até aqui e pensamos que se não fosse a solidariedade das pessoas que estavam ao redor da Rosa o seu bebé cairia e bateria com a cabeça no chão, e certamente por ser tão pequenino não aguentaria. Os fiscais gabam-se do facto de não irem presos e de agirem como se estivessem a enxotar as ratazanas (as zungueiras) que incomodam a toda hora. E é sem a noção nenhuma de existência que assim “vamos subindo”. Parece até que não existe violação dos direitos humanos e que estamos num país como a Suécia; parece também que as pessoas não têm problemas de emprego, têm comida sempre à mesa, têm edução e saúde. Não percebemos que é a extrema pobreza que faz as mulheres dos congolenses e de outras ruas ou praças se multiplicarem diariamente.

Os fiscais, a polícia e as zungueiras procuram formas para meterem algo nos seus estômagos. Os fiscais e os polícias exploram as zungueiras de várias formas, perdendo a noção da importância que cada um tem. Mas, como é que queremos que as pessoas tenham noção, em contextos como o nosso, onde há imensas dificuldades para suprir as necessidades básicas da vida? O pequeno da Rosa amanha cresce, no mesmo barco, e querem que ele não se torne delinquente. A mãe é espancada pelos polícias e fiscais todos os dias, e querem que os putos olhem para a vida como se fosse algo sublime.

Aquele menino que por pouco bateria com a cabeça no chão é reflexo de muitas crianças filhas de zungueiras, e outros em dificuldades são os filhos de fiscais. Pensem: as mulheres zungueiras que lutam pela sobrevivência não passam os dias nas ruas por gosto e, sobretudo, não é por vontade própria que saem à rua carregando os seus bebés de 1, 2, ou 3 meses às costas.

A fome e a sobrevivência fazem-nas estarem expostas a todos esses riscos: pancadas dos fiscais e porretes dos polícias que caem em seus corpos por os todos caminhos.

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